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Lugares da Bahia: IBICOARA – Chapada Diamantina

  • Foto do escritor: Tai Cruz
    Tai Cruz
  • 3 de jul. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 21 de set. de 2020



Não importa em qual lugar do mundo você esteja: você precisa conhecer a Chapada Diamantina. A Chapada é gigante. Em dimensão, energia e intensidade. Ano passado discutia com alguns amigos: Qual é o mistério que paira sobre as Chapadas brasileiras? Como encontrar explicação que acolha o inexplicável? Não é a toa que tantas pessoas que conhecem a Chapada Diamantina, retornam para viver o resto de seus dias por lá.



Sei que por hora, tá praticamente todo mundo impedido de viajar. Mas essa é a magia das palavras, nos teletransportar pra qualquer lugar. Então viaja um pouquinho comigo aqui. E quando tudo isso acabar, você já tem um novo destino na listinha de viagens. Cheguei a pensar em falar da Chapada como um todo. Não caberia aqui. A Chapada Diamantina é história, amor, amplitude. E como diz o mestre Criolo, "devemos samplear". Conhecer, repetir, dividir. Capão, Pai Inácio, Pratinha, Lapa doce, Marimbus, Rupestres, Ferro doido, Poço do diabo, Licuri, Buracão, Fumaça, Cavernas, Montanhas, bromélias, orquídeas e Sempre-vivas. Livros vivos. Passaria dias narrando cada detalhe aqui.


Obviamente eu não conheço a Chapada como um todo. Conheço algumas das paisagens que citei e as respectivas cidades que abraçam elas, como Lençóis, Palmeiras, Morro do Chapéu, Andaraí, Mucugê e Ibicoara. E é dessa última que eu quero falar hoje. A maioria das minhas viagens pra Chapada Diamantina foram em aulas de campo da universidade. Fazer biologia tem lá seus muitos privilégios. Mas essa não, essa foi despretensiosamente planejada, no faro, no tato e na intuição. Ibicoara foi nossa última viagem no Brasil antes de imigrar pra Espanha.


A porta de entrada do território é o Parque Nacional da Chapada Diamantina (1985), que possui 1.521,41 km² de extensão e protege uma parte norte da Serra do Espinhaço (cadeia montanhosa que se estende pelos estados da Bahia e Minas gerais). Sua existência é sinônimo de preservação ambiental, histórica e cultural. Entretanto, o parque é apenas um punhadinho leve de areia na ampulheta temporal da Chapada. A Chapada Diamantina em si, tem 50.610 km² de cidades históricas, serras grandiosas, trilhas primitivas, águas profundas e cachoeiras borbulhantes.


Abriga uma biodiversidade única e riquíssima em mosaicos de caatinga, cerrado, campos rupestres e diferentes tipos de mata (seca e úmida). Também é berço do maior rio genuinamente baiano, o Paraguaçu. Um oásis no centro do estado da Bahia. São formações que datam de aproximadamente >550 milhões de anos, territórios do proterozóico. Seus padrões de conglomerados, arenitos e calcários foram delicadamente esculpidos pela vento e pela água, erosão natural. Em cada camada uma voz, uma vida, uma história.


Anos atrás, vi uma foto de uma cachoeira indomável e majestosa na Chapada. O nome? Cachoeira do Buracão. Desejei um dia pisar lá. E depois disso ela nunca deixou de ser assunto presente nas conversas entre amigas baianas e não baianas. Todo mundo queria conhecer aquele lugar (rolou até ciúme quando eu viajei sem elas pra lá, risos).


O último trabalho de Silas nos trouxe parceiros incríveis (biólogos né? A bio é amor). Sempre que a gente se reunia lamentávamos ter poucos meses para aproveitar juntos. Desse papo saudoso surgiu a ideia de viajar juntos na folga de pagamento da empresa. Apelidamos as viagens de "folga de gastamento".


O primeiro destino foi Boipeba, mas sobre esse eu conto outro dia. O segundo foi Ibicoara. O nome surgiu em alguma roda de conversa, todo mundo se animou, e a partir disso foi só combinar um dia e por o pé na estrada. Ibicoara fica a aproximadamente 4 horas de carro de Jequié (nosso ponto de partida). Ibicoara, do tupi yby (terra) e kûara (toca) significa "buraco na terra". Nascida dos tropeiros que ali passavam. Acabamos ficando apenas 2 dias. Se você tem interesse em ir, eu te recomendaria ficar no mínimo três.


Como chegar lá? A região do Parque Nacional pode ser acessada pela rodovia federal BR-242 e algumas rodovias estaduais. O transporte rodoviário intermunicipal é precário, e alguns trechos são realizados por vans particulares. Ibicoara fica localizada na porção sudoeste da Chapada. Ir de carro é a melhor opção. Porém, existem várias empresas de turismo que fazem excursões guiadas pra lá. Deixarei aqui alguns possíveis acessos:


Se você é de fora da Bahia, inicialmente pode pegar voos para Salvador ou Vitória da Conquista (mais próximo do destino final). As informações dos trajetos de ônibus foram retiradas do site do ICMBIO (não tive sucesso na confirmação nos sites das operadoras de transporte) e estão sujeitas à mudanças. Consulte sempre a empresa responsável.

Saindo de Salvador


Carro: o acesso é via BR-324 em 120 km até Feira de Santana. A partir daí seguindo a BR-116 são 70 km até a BR-242, onde se percorre 182 km até chegar à BA-142, rodovia de acesso às cidades de Andaraí (51 km à frente), Mucugê (101 km à frente) e Ibicoara (177 km à frente).


Ônibus: há uma linha aos sábados (Viação Cidade Sol). Nos outros dias da semana é possível ir até Barra da Estiva (Emtram) e de lá pegar um ônibus para Ibicoara.

Saindo de Vitória da Conquista


Carro: o acesso é via BA-142 por 220 km até a cidade de Ibicoara.


Ônibus: ir até Barra da Estiva e de lá pegar um ônibus para Ibicoara.

Saindo de Jequié


Carro: o acesso é via BR-330 (BA-561, BA-407) por 192,7 km


Ônibus: ir até Barra da Estiva e de lá pegar um ônibus para Ibicoara.

Foi uma viagem bem em conta. O combustível, a comida e os passeios divididos entre os viajantes e a hospedagem individual. Saímos cedinho pra dar tempo de aproveitar o dia no nosso destino principal, a esperada Cachoeira do buracão. Um carro se perdeu no caminho, mas a gente foi atrás. Sem emoção não tem graça né? Nós nos hospedamos no hostel de uma amiga maravilhosa da Biologia, e se você tá afim de curtir esse pico num local simples, mas lindo e com a melhor receptividade, eu recomendo muito que você fiquei no Hostel Kosmos, você vai se encantar. Bela e Lola te receberão no paraíso, de braços abertos e com uma simpatia sem igual. Kosmos foi nossa casa em Ibicoara.


Insta: @hostelkosmos e airbnb: https://www.airbnb.com.br/users/show/226877494

Uma galera se dividiu nos quartos e outra acampou no quintal o/. Aprendi com amorzinho, e se você for acampar não esquece de levar: ventilador, extensão bem grande, lona, lanterna e repelente. Pra trilha é o básico de sempre: mochilinha leve, garrafa de água, lanches, calçado adequado (pra trilhas longas é bom usar botas ou tênis de cano alto para evitar torções), um biquíninho (ou correspondente masculino) e protetor solar. As meninas do hostel nos deram as melhores dicas de passeio e guias. Para o Buracão, a presença do guia á obrigatória. Um bom guia traz segurança e faz diferença em qualquer passeio. Além disso, caso seja necessário, ele irá prestar os primeiros socorros e acionar um resgate. Não esqueça de pedir referências.


A cachoeira do Buracão fica a 30 km de distância (estrada de terra) de Ibicoara e os guias custaram cerca de 35 por pessoa (éramos 11). Já a entrada que dá acesso a trilha, custou 6 reais de cada um. Os guias podem ser contratados na agência da cidade ou na entrada da trilha. Eu sempre acho qualquer trilha cansativa na ida. Acho que é porque não sei quanto tarda em chegar (sedentarismo né mores?). Mas a do buracão é de leve a moderada. Não achei que tivesse muitas subidas. Perto da cachoeira principal tem umas partes íngremes, mas tem até uma escada com corrimão pra auxiliar.


São 6 km de trilha (ida e volta) e o trajeto é lindo; dá pra se encantar com a flora característica, com o Rio Espalhado, e também se deliciar em pequenas cachoeiras como buracãozinho, cachoeira das orquídeas e o recanto verde. Aprecie o caminho e suas paisagens. Tem também uma pedra gigante de onde pessoas pouco ajuizadas (vulgo meu marido, um dos nossos guias e amigos) saltaram um poço escuro enquanto eu olhava abismada. Não recomendo por motivos óbvios. Fique atento nos horários e nos dias de pico (alta temporada). Tem limite de aforo (acesso de pessoas) e horário de abertura e encerramento.


Quando você chega no “local de apoio” (uma rocha plana bem grande onde os grupos se preparam) é comum encontrar outros grupos confraternizando (comendo) e também um grupo de guias responsáveis pela organização. Nesse ponto você recebe coletes (obrigatórios para a travessia) e é orientado para se deslocar até queda hipnotizante da cachoeira. Você não vai ver ela logo de cara. O suspense deixa tudo mais prazeroso. Você precisa atravessar os cânions para chegar lá. Pode se esgueirar pelas rochas ou flutuar nas águas escuras e deixar a correnteza te levar (uma experiência sem igual). Prepara o celular na capinha a prova d'água e desfrute. A água gelada fecha o pacote de sensações. Esse é um daqueles momentos que só a Chapada Diamantina pode te proporcionar.


Uns minutinhos depois, o cânion se abre juntamento com uma visão surreal. Uma queda majestosa de 85 m que se derrama em toda potência das águas continentais. Arrisco a dizer que tenha sido o lugar que mais me impressionou até hoje. Paredões suntuosos de rochas milenares. Era como se eu pudesse sentir o peso e a emoção de tudo que aconteceu durante milhares de anos. Coisa de louco. Ciscos nos olhos só de lembrar. Agradeci mentalmente a oportunidade de estar presente ali. Você pode nadar até a queda, mas não será uma tarefa tão fácil. Use e abuse do seu colete. Se você curte aventura, é possível dar uns saltos radicais (o exagero) e praticar rapel. Não foi dessa vez que me arrisquei a saltar, não sei nadar e me mantive bem segura com meu colete.


A volta é sempre mais suave. Retornando, passamos em um acesso onde é possível ver a queda d'água de cima. Rende cliques incríveis. A cachoeira das orquídeas é linda e perfeita para relaxar, tomar um sol, repor as energias e dar uma espichada nas pedras que a margeiam. Outra coisa gostosa da volta foi a coxinha de jaca, juro. É uma lanchonetezinha super disputada com comidinhas quentinhas da hora. Tem opções para todos os gostos. Se você é dos que preferem almoço, os guias te indicam restaurantes de comida caseira onde você pode “encomendar” o almoço antes da trilha e ele será servido no retorno do passeio.


De noitinha a gente foi convidado para um caruru (era dia de Cosme e Damião), mas quem tinha pique? A idade chega para todos. A gente se reuniu na cozinha pra resenhar o dia e preparar o jantar. A gente sempre escolhe lugares com cozinha aberta e leva nossos ingredientes. Preparar a comida é um momento de conexão e compartilhamento.


Dia seguinte a gente foi cedinho pra Cachoeira do Licuri; que graças a Petrus (amigo do hostel), descobrimos não precisar de guia. Trilha particular, curta (3 km ida e volta), apesar de íngreme é segura e sinalizada. A entrada custou 10 reais por pessoa e te dá direito a um colete se você desejar. Importante lembrar que ambas cachoeiras exigem um deslocamento de carro até o local da trilha. No caso da Cachoeira do Licuri são apenas 10 km (estrada de terra). Petrus disse que apesar da cachoeira ser pequena e próxima, que a gente não subestimasse. Ia ser uma grata surpresa. Eu confesso que fui esperando uma queda pequena e topei com um paisagem idílica que não imaginei nem nos meus melhores sonhos.


Que cachoeira mais linda. A energia dela era tão palpável que quase tinha voz. Sabe quando você toca na rocha e elas falam demais? Insurdecedor. Mas num bom sentido. Que brisa. Ali eu tomei coragem de mergulhar sozinha, sem colete. A história evolutiva me encorajava. Compartilhei papos incríveis com as meninas, com todo mundo. Oxum tava lá também. Pra mim, ela sempre está; ainda mais na Chapada. Na volta estávamos todos anestesiados. Não sei se dá água extremamente gelada ou da magia que tem naquele lugar.

Se tivéssemos ficado mais um dia, com certeza teríamos ido conhecer a fumacinha. Ibicoara é um lugar escondidinho, pequeno e acolhedor. Abraçado por rochas e pela energia da evolução. Foi assim que eu me despedi do Brasil, sabe se lá por quantos anos. Agradeço a todos os deuses e deusas que existam nesse universo, por esse ter sido meu “último” olhar sobre a minha casa, meu país nordeste. Se eu ficar velhinha, espero ainda me lembrar dessa sensação. De como eu me senti abraçada enquanto entoava o meu até breve, Bahia-Brasil.


Orientações de boa conduta: Lembre sempre de respeitar o espaço e os limites. Não corra riscos desnecessários, resgates em áreas naturais são complexos e caros. Informe-se sobre as condições locais. Não saia sozinho. Não faça fogueiras, os incêndios tomam força rápido. Leve seu lixo de volta. Se der vontade do número 2, evacue distante dos corpos de água e trilhas (60 m pelo menos). Faça como os gatinhos, enterre seus dejetos. Não são permitidos animais domésticos no Parque.


Se eu recomendo a visita? Eu diria que você não pode viver sem conhecer aquele lugar. Te deixa sem fôlego. Talvez no fim desse texto você já me considere meio hippie, meio bicho do mato. Pra mim, esses são lugares sagrados. Cada vez que piso, sinto meus caminhos abertos. Só indo lá pra entender. Vá e depois me conte.

Com amor, Tai


Nota mental: Você só conhece realmente uma pessoa depois que viaja com ela.


Fontes:

Dussin, I. A., & Dussin, T. M. (1995). Supergrupo Espinhaço: modelo de evolução geodinâmica. Geonomos.



4 Comments


Thaís Ribeiro Nascimento
Thaís Ribeiro Nascimento
Jul 11, 2020

Ameei! As formas como chegar foram muito bem colocadas, e sempre bom ter referências de onde dormir, comer e passear em lugares desconhecidos. Beijoooo

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Tai Cruz
Tai Cruz
Jul 06, 2020

Obrigada mamy <3

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Mércia Barreto Do Vale
Mércia Barreto Do Vale
Jul 03, 2020

O texto me transportou para a Chapada. Escreveu com alma!!

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Mércia Barreto Do Vale
Mércia Barreto Do Vale
Jul 03, 2020

Chapada Diamantina sempre maravilhosa!!!

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