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"Clitóris, prazer proibido"

  • Foto do escritor: Tai Cruz
    Tai Cruz
  • 6 de ago. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 21 de set. de 2020



Eu preciso parar de estabelecer dia fixos para os quadros. Sempre acontece algo e perco o passe. O tema do documentário de hoje ( finada quarta) é saúde feminina. Vamos falar de Clitóris?


Etimologicamente falando, sabe-se que clitóris é derivado do grego antigo κλειτορίς, kleitoris. Mas quando o assunto é o significado do termo de origem, os pesquisadores discordam. Algumas pessoas defendem que kleitoris vem de kleis, que significa chave. Na Antiga Grécia, a chave que abria as portas do prazer. Faz sentido né? O outro lado acredita que o termo deriva de kleitýs, que simbolizava pequenas colinas.


O Clitóris é um órgão sexual exclusivamente feminino. É irrigado por mais de oito mil terminações nervosas, que fazem dele o sensível dono e proprietário do nosso orgasmo. O clitóris se ramifica internamente e seus bulbos rodeiam o canal vaginal, prolongando o prazer por todas essas zonas internas (inclusive no famoso "ponto G"). Evolutivamente, o canal vaginal é preparado para a passagem de um bebê, portanto possui poucas terminações nervosas ou o parto (exames e até o sexo) seriam impossíveis. Quando estimulado, o órgão se expande e enrijece (universo em expansão, lembra?). Além disso, esses mesmos músculos continuam enrijecidos após o orgasmo, nos proporcionando possibilidades de orgasmos múltiplos.


Não se engane achando que essa dádiva é só humana; o órgão está presente em todas as espécies de mamíferos. Existe um debate milenar em torno do clitóris: Qual é sua função? Seria ele um órgão vestigial? uma adaptação evolutiva? "apenas" responsável pelo prazer? ou seria uma estrutura reprodutiva? É bem provável que sua função seja exclusivamente prazerosa. Mesmo essa explicação ainda deixa dúvidas no ar. Por que o orgasmo masculino está relacionado com a reprodução (transferir espermatozoides) e o feminino não?


Minha hipótese favorita diz que, há 150 milhões de anos, o clitóris conseguia enviar sinais para o cérebro durante o acasalamento de animais pré-históricos, estimulando a liberação de hormônios, que por sua vez liberavam o óvulo. Além disso, se o óvulo fosse fertilizado, os hormônios auxiliavam na implantação dele no útero. Ou seja, o clitóris surge historicamente com função reprodutiva. Ao longo do processo evolutivo, as fêmeas começaram a viver em comunidades, tendo assim mais parceiros disponíveis e sexo frequente. É aqui que o orgasmo (e o clitóris) deixam de atuar como mecanismo ovulatório. Surge um novo sistema, a liberação de óvulos a partir de um ciclo regular. Apesar do quanto esse tema possa parecer interessante aqui, o conhecimento produzido sobre clitóris e orgasmo feminino é escasso, e aquém das nossas necessidades.


Quem descobriu essa preciosidade? Um verdadeiro esconde-esconde. Vários pesquisadores, em algum momento da história, reivindicaram a descoberta dessa maravilhosa estrutura. Popularmente, o primeiro deles teria sido o professor de anatomia Matteo Realdo Colombo (1516-1559). Colombo o apelidou carinhosamente de "prazer de Vênus". Dois anos mais tarde, Gabriele Falloppio também reclamou autoria. Até Descartes quis uma fatia desse feito. Até que Caspar Bartholin garantiu que o clitóris já era conhecido por anatomistas desde o século II a.C.. Em 1884, a brincadeira de esconder (e redescobrir) o clitóris acabou. George Cobald publicou uma série de desenhos sobre a estrutura que não poderiam ser ignorados pela ciência anatômica.


Apesar de ter estudado anatomia na universidade, clitóris não foi um tema amplamente abordado. Como a gente costuma dizer na Bahia, "passou batido". Assim como "passou batido" por anos nos atlas mais famosos de anatomia (como no Gray's). A história é bem antiga. E é o que conta o documentário de hoje: Clitóris, prazer proibido. Assisti pela primeira vez em 2015, mais uma vez estudando percepção da fertilidade. Depois disso já revi ele no curso de pompoarismo da @vaginasemneura e em diversas plataformas de conteúdo. É sempre bom rever. Tem coisas que não podem ser esquecidas. Provavelmente você se deparou alguma vez com esse título. Se não, não deixa passar a oportunidade de assistir sobre nossa própria trajetória.


Está disponível legendado no Youtube. Assista aqui.

Descrição: "O documentário francês "Clitóris, Prazer Proibido" (2004) explora o órgão cuja única função é proporcionar prazer às mulheres. Médicos, educadores sexuais, estudiosos do comportamento e mulheres em geral dão depoimentos sobre o tema."


Para mim, esse documentário é um lembrete de um aprendizado atemporal sobre a trajetória dos corpos e do prazer feminino. É genuinamente um tratado de ensinamentos acessíveis sobre educação sexual, anatomia e prazer. Conta como o clitóris surgiu e desapareceu (oportunamente) ao longo dos séculos. O clitóris é o personagem central de tramas seculares pautadas em desinformação, crenças, mutilações, tabus e estigmas sociais. Parece um tema esgotado, mas a realidade é que muitas meninas e mulheres desconhecem essa estrutura e suas ramificações no nosso prazeroso sistema sexual.


A mutilação sexual feminina (remoção parcial ou total da genitália externa feminina ou outra lesão dos órgãos genitais femininos por razões não médicas), infelizmente ainda é praticada em rituais de 31 países (como Egito, Etiópia, Indonésia, Sudão, etc...). Pelo menos 200 milhões de meninas e mulheres vivas hoje foram submetidas a prática. A justificativa? Varia entre rito de passagem, preservação da castidade, pré-requisito para casamento/herança e punição. Apesar de não ser endossado pelo islamismo e cristianismo, muitas vezes os rituais fazem parte de narrativas religiosas (UNICEF). Recentemente (maio) o Sudão deu o primeiro passo para extinguir a prática, criminalizando-a. Agora a prática ancestral é sujeita a pena de três anos de prisão e multa. Direito conquistada sob muita luta das sudanesas.


Infelizmente ainda é comum ouvir relatos de mulheres (e homens) que não sabem diferenciar as partes externas do sistema reprodutor feminino. +60% de mulheres relatam não atingir o orgasmo durante as relações sexuais (ou finge). Outros -20% dizem não ter orgasmos só com penetração. O caminho não é segredo pra ninguém: só uma educação sexual de qualidade é capaz de reduzir os tabus e as violências patriarcais impostas aos corpos e ao prazer feminino.



É importante descolonizar o autoconhecimento, o toque, o espelhinho pra conhecer as estruturas e a descoberta do prazer (mais conhecida como masturbação). Mudar a visão estigmatizada do imoral para a visão educativa, onde esses elementos podem (e devem) ser usados como ferramentas de aprendizado. Não esquecendo também de descentralizar o prazer e o orgasmo feminino das mãos dos homens. Se conhecer e dominar o próprio prazer não é pecado, é liberdade. Se toca

Clitóris pra mim é poesia expansiva. Deixo vocês com uma das minhas favoritas: Adélia Prado

"Meu coração bate desamparado

onde minhas pernas se juntam.

É tão bom existir!

Seivas, vergônteas, virgens,

tépidos músculos

que sob as roupas rebelam-se.

No topo do altar ornado

com flores de papel e cetim

aspiro, vertigem de altura e gozo,

a poeira nas rosas, o afrodisíaco

incensado ar de velas.

A santa sobre os abismos-

à voz do padre abrasada

eu nada objeto,

lírica e poderosa."



Com amor, Tai ♥

Nota Mental: Já experimentou um vibrador clitoriano?


Fontes:

Pavličev, M., & Wagner, G. (2016). The evolutionary origin of female orgasm. Journal of Experimental Zoology Part B: Molecular and Developmental Evolution, 326(6), 326-337.

Esquema vulva e clitoris: @alice_decastro

Imagem coração-vulva: Quentin Lagrange


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