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Pollyanna ou Anne de Green Gables?

  • Foto do escritor: Tai Cruz
    Tai Cruz
  • 18 de fev. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 21 de set. de 2020

Já que vocês gostaram da experiência da música, a sugestão de hoje é o tema da série em questão: Ahead By a Century (The Tragically Hip) ♥

Quando comecei a assistir Anne with an E na Netflix, por sugestão de uma amiga (Te amo, Mari♥), eu parei e pensei: Pollyanna, é você?

Provavelmente você saiba de quem estou "falando". Mesmo assim farei um breve resumo. Pollyanna é um livro (norte-americano) de Eleanor H. Porter, publicado em 1913. No Brasil, é comumente indicado para as alunas (os) durante o ensino fundamental. Posso apostar que se você é menina/mulher, você já leu (risos).

A personagem principal, de mesmo nome, é uma menina de 11 anos, que após a morte de seu pai se muda de cidade para ir morar com uma tia rica e severa, que ela não conhecia. Tanto no primeiro livro, quanto na sua continuação (Pollyanna moça), a personagem sofre diversas perdas, mas não desiste de jogar o seu polêmico jogo do contente, inspirando às pessoas ao seu redor e enxergando o lado positivo dos acontecimentos (diria que trágicos) da vida.

Eu adorava Pollyanna, mas honestamente, quem jogaria a sério o jogo do contente? Lembro de pensar que “na realidade, ninguém (em especial que tenha sofrido tanto) é tão boba e otimista”.

Em contrapartida, o livro canadense que inspirou a série: Anne of Green Gables de L. M. Montgomery, foi lançado antes, em 1908. O livro conta as aventuras de Anne Shirley, uma órfã também de 11 anos que, por engano, acaba indo morar com dois irmãos de meia idade. Aos poucos, mas não sem muito drama, Anne e sua forma característica de ver a vida, revoluciona a vida das pessoas e da cidade fictícia de Avonlea.

Será que Pollyanna é uma versão americana de Anne, ou uma mera coincidência? Seria um sinal de que a vida no século XX, no lugar que fosse, suplicava consolo com romances infanto-juvenis esperançosos, otimistas e inspiradores?



O que Anne de Green Gables e Pollyanna têm em comum? São órfãs, espontâneas, otimistas e leais até o fim. A diferença que me fez amar Anne Shirley muito mais do que amei Pollyanna é o peso da realidade. Enquanto Pollyanna era demasiadamente contente, solícita, e irreal, Anne é excessivamente dramática, autêntica e digna de falha como uma pessoa normal. Um mergulho existencial.


Confesso que fui me envolvendo com cada teia retratada. Anne with an E vai muito além de uma visão otimista da vida. Aborda todo tipo de amor, poder, lealdade, emponderamento, injustiça, censura, colonização indígena, diversidade, preconceito econômico, de gênero e racial e o que mais me emocionou: a busca por pertencimento e identidade. Tudo isso enredado em altas doses de drama, mangas bufantes e romances trágicos.


É impossível assistir a trama da colonização e não pensar na história do Brasil. Oscilei entre dois extremos. Felicidade pela cultura e cura indígena sendo retratada e honrada e dor pelo desfecho (ou a falta de) de Ka'kawet e sua tribo. Quantos dos nossos ancestrais não foram mortos e subjugados? Não sei qual a sua origem, mas a minha é indígena (assim como negra e portuguesa), e aquela dor, mesmo que distante, também é minha.

Tem incontáveis momentos enriquecedores e precisamente atuais. Mas o meu favorito, é o ritual de Beltane em volta da fogueira (capítulo 5 – 3ª temporada). Beltane é o mais alegre dos Festivais Celtas, onde se celebra a morte do inverno e aproximação do verão, a fertilidade da terra e a união das energias masculinas e femininas. As pessoas queimam oferendas, dançam e pulam fogueiras para que se recarregar da energia poderosa do fogo.

Talvez minha preferência seja simplesmente o reflexo da minha conexão com o sagrado feminino. Mas aquela cena reacendeu memórias já esquecidas à muito. De ser criança, em dia de lua cheia na roça, e ouvir minha vó contar história de lobisomem, dançar e comer em volta da fogueira. Na série, a fogueira representa a mudança e o reconhecimento do que é ser mulher. O sentimento de Ruby ao se ajoelhar e emocionada dizer que adora ser mulher, também é meu. E Anne praticamente uivando em comemoração, me lembrou o livro Mulheres que correm com os lobos (Clarissa Pinkola Estés) e foi o encerramento perfeito. Talvez seja isso. Deixo aqui a prece que elas recitam na cena:

“Deusa de Beltane, Mãe sagrada, Rainha de maio, Dama selvagem das florestas, Guardiã do amor e da vida, bem vinda ao nosso círculo.”


Nós, mulheres, poderosas e sagradas, declaramos nesta noite santificada que nossos corpos divinos pertencem a nós mesmas. Escolheremos a quem amar e em quem confiar. Caminharemos nesta Terra com graça e respeito. Sempre teremos orgulho do nosso grande intelecto. Honraremos nossas emoções para que nosso espíritos triunfem. E se algum homem nos desmerecer, mostraremos onde fica a porta. Indestrutível é a nossa força, e livre é a nossa imaginação. Caminhe conosco, Deusa, e seremos abençoadas, então.”

Eu ainda não li o livro que inspirou a série, portanto não posso compará-los. Algumas críticas em torno da série, acusam os autores de usar a fórmula batida de repaginar um clássico, de misturar demais a história com livros da Jane Eyre e de escurecer a história da tão solar e inspiradora Anne Shirley Cuthbert. Tornando ela melodramática, as vezes egoísta e de ingenuidade tola, quando a verdadeira Anne seria irreal e de alegria contagiante, um conforto em tempos tão caóticos e sombrios. Talvez a Anne do livro seja mesmo a primeira versão da Pollyanna, como questionei no início.

Eu entendo perfeitamente o sentimento de frustração ao ser amante de um livro e ver ele ser retratado completamente diferente. A verdade é que eu preciso ler o livro pra provar desse outro lado da história. Anne with an E não é uma série que te arrancará milhares de risadas. Mas talvez te inspire e transborde emoção como nenhuma outra. E já que é quase carnaval, encerro com a minha versão de Anne Shirley. E você, prefere o dulçor da fantasia ou o amargor da realidade?

Já leu Pollyanna e Anne de Green Gables? Já viu a série? Me conta o que achou.

Com amor, Tai ♥

1 comentario


Verônica Calumby
Verônica Calumby
24 may 2020

Ohhhhhhhh sempre sinto vontade de começar a assistir essa série, e acabo postergando o início, li Pollyanna ♥, não época não tinha a visão mais crítica que tenho hoje, achava bonito como ela, apesar das intempéries da vida, era alegre e sempre via o lado bom das coisas! Você sempre me indica as melhores séries da Netflix, gratidão Tai ♥♥♥♥♥

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